terça-feira, 2 de maio de 2017

Muros


Sentados, confortáveis, no parapeito de um copo de gin tónico, é simples julgar os outros. Senta-mo-nos; Observamos; Formamos opinião e, por fim, num assomo de justicialismo primário, atiramos a matar, um julgamento sobre os restantes.

Isto anda tudo com os fusíveis queimados!

Reconheço na observação um cinismo puro e pequeno, como devem ser todos os cinismos de quem procura nos fracassos alheios, as respostas para os fracassos próprios. É nisso que andamos a viciar-nos. Andamos a desculpar-nos através dos julgamentos que formamos dos outros. Porque no fundo dói menos. Mais, achamos que se os outros também falham - e com sorte falham muito e muitas vezes - isso faz com que sejamos menos culpados. Ficamos felizes por não sermos os únicos miseráveis afectivos.

Bem-vindos oh desencantados das vidas afectivamente vazias…

Mas porque nos tornámos tão desgraçadamente dependentes da desgraça alheia?

Porque, de tão modernos e desempoeirados que somos, não nos demos conta que ainda ficámos lá atrás, no “para sempre”. Esse é o conflito dos nossos dias. Durante anos pensámos que o equilíbrio passava por conviver bem com as consequências das nossas decisões, quando de facto o equilíbrio passa fazer com que as nossas expectativas não saiam goradas pela nossa realidade

O “para sempre” dá-nos a esperança inverosímil da voracidade das paixões de verão, mas mata-nos com a realidade das noites frias e sós de inverno.

E que realidade é essa?

É aquela que nos estimula todos os dias a ser melhores, a ter coisas melhores, em não nos deixarmos vencer pelo conformismo. A ambição pelo que não temos turva-nos a capacidade de olharmos para o que temos. O parapeito de onde pensamos olhar o mundo é afinal o muro sobre o qual construímos narrativas de frustração, pelo emprego do outro, pelo carro do outro, pela casa do outro, pelas férias do outro e, pelas pessoas que supostamente dormem com o outro. A inveja é tanto maior quanto menor o número de cavalos que nosso carro tem, ou de quartos a nossa casa possui, ou de milhas que viajamos por ano. Vivemos numa realidade em que somos aquilo que conseguimos mostrar. Nada mais. Somos aquilo que conseguimos fazer. Nada menos. E haverá maior conformismo que esse?

Transformámos as pessoas de que julgamos gostar em elementos de prova do sucesso, seja lá o que isso for!

Se não conseguimos ter alguém ao nosso lado, somos nada. Zeros. Vazios. O “Para sempre” não permite olhar para o outro lado e perceber que uma cama cheia, pode ser afinal a vida mais vazia que podemos ter.

As nossas relações nascem, vivem e matamo-las dessa forma. Queremos que tudo corra bem. Que se correrem mal, que a culpa não seja nossa… ou só nossa. No fim do dia, as relações modernas são um simplório balanço de culpas. Escondemo-nos no “ambos temos a culpa” ou até num magnânimo “Todos têm a culpa” para aliviar as nossas próprias penas. No fim, somos todos uns cobardolas e é mais simples achar que amanhã vamos encontrar alguém que nos acrescente, quando na verdade buscamos alguém que nos preencha os vazios. Andamos todos à procura de alguém que nos dê sentido quando nem sequer paramos para pensar para onde queremos ir. Andamos todos à procura de algo que nos valide perante quem nos observa do parapeito, quando na verdade apenas nos andamos a tentar equilibrar em cima do muro e de um lado está o que queremos e do outro o que nos faz feliz…

Resta saber para que lado do muro queremos cair, já que saltar está difícil.

Por isso:

Que se foda o “para sempre”!

Viva o “para já”…

Porra!

do vosso
Dumal

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